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Crítica: Narcos

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Narcos (1ª Temporada)

Por Felipe Fasanella

O homem que interpretou de forma brilhante o maior pesadelo dos traficantes do Rio de Janeiro, agora interpreta o maior criminoso da história recente. Wagner Moura, famoso por seu papel como Capitão Nascimento nos premiados filmes Tropa de Elite, volta a trabalhar com o diretor e produtor José Padilha para dar vida a Pablo Escobar em Narcos, nova série da Netflix (Serviço de streaming de filmes e séries pela Internet).

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Durante as últimas décadas, uma adaptação da vida de Pablo Escobar foi muito cobiçada por executivos de Hollywood, porém nunca saiu do papel de forma satisfatória. Alguns filmes até tentaram abordar o Cartel de Medellin de maneira mais ampla, como Emprego de Risco (Blow) com Johnny Depp em 2001, porém nenhum projeto de peso focado na figura de Pablo Escobar conseguiu decolar no cinema. Isso até virou tema de uma das temporadas da série Entourage, onde os protagonist enfrentam as dificuldades de produzir um filme intitulado Medellín. Assim como diversos outros projetos considerados inaptos para o cinema, a história do maior chefe do tráfico de todos os tempos encontrou sua mídia na Netflix, onde os criadores tem liberdade para trabalhar da forma que melhor entenderem, mais especificamente em 10 episódios de aproximadamente 40 minutos, fornecendo tempo suficiente para explorar facetas e ângulos que dificilmente seriam abordados em uma produção de duas horas.

A história tem como foco o período após o surgimento de Pablo como um contrabandista poderoso, que de certa forma já controlava grande parte das atividades criminosas de Medellín e sua apresentação a cocaína, quando suas atividades narcotráficas se iniciaram. Para desenvolver a narrativa, a produção usa a narração, um artifício bastante utilizado em filmes de crime, e popularizado por Martin Scorcese em obras como Os Bons Companheiros, Cassino e mais recentemente O Lobo de Wall Street. Essa estratégia acelera a trama, pois com narrativa os autores conseguem expressar idéias e fatos sem necessidade de muito estímulo visual. A narração fica a cargo do agente Murphy da DEA (Drug Enforcement Agency), um dos policiais americanos que moraram na Colômbia para tentar capturar El Chefe. A série mostra de maneira detalhada em seus primeiros episódios como funciona o submundo do narcotráfico, desde a produção, até o transporte e distribuição da droga para os Estados Unidos, maior mercado de cocaína nas décadas de 1980 e 1990.

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A trama se divide entre as investigações da policia colombiana e a DEA americana em busca de provas que comprovem as atividades de Pablo Escobar, e as atrocidades cometidas por ele para manter seu poder e aumentar o controle sobre a Colômbia. Após os primeiros episódios a logística do narcotráfico e minúcias dos negócios é colocada de lado e a série passa a focar mais na dualidade das investigações da polícia e das atividades criminosas, além do frustrado ingresso de Pablo na política. Nesse período os saltos temporais nem sempre são claros e a narrativa lembra mais um documentário do que uma história linear. Isso não necessariamente afeta a qualidade, pois confere mais realidade a trama, que já é recheada de cenas e fotos reais, justamente com o objetivo de tornar críveis relatos que mais parecem obra de ficção.

Assim como em o Poderoso Chefão, livro escrito por Mario Puzo, onde jamais sabemos o que se passa na cabeça de Michael Corleone, o espectador de Narcos raramente está a par dos pensamentos de Pablo. Assim como na obra que inspirou o filme ganhador do Oscar em 1972, esse fato traz imprevisibilidade, uma vez que fica difícil prever qual será a próxima ação de Escobar. Isso é executado de forma brilhante, sendo que o expectador sempre se ve fazendo a pergunta: “Será que Escobar será capaz disso?”. Isso se deve principalmente ao fato da narração ser feita por um dos policiais, e não pelo próprio criminoso. Sabemos somente as ideologias que definem o seu caráter, como homem maquiavélico que discursa pelo bem do povo colombiano, que promete chegar a presidência para salvar o país das garras da velha oligarquia e que comete atos impensáveis para atingir tais objetivos deturpados.

Os crimes cometidos por Escobar são sem dúvida o ponto alto da série, sendo que a cada episódio um crime real cometido por ele é graficamente colocado na tela, trazendo choque ao espectador. Não listarei nenhuma das atrocidades por ele cometidas, pois não deseja estragar a experiência de ninguém que queira assistir a série, porém são diversas e bastante frequentes.

O enredo da série chega ao fim na Catedral, prisão criada e construída pelo próprio Escobar para evadir-se da extradição para julgamento nos Estados Unidos, pois como ele mesmo dizia melhor um tumulo na Colômbia do que uma cela nos USA.

Agora, o que realmente tem sido tema de diversos debates. A atuação de Wagner Moura e o fato de José Padilha ter escolhido um conterrâneo brasileiro para interpretar um ícone colombiano. Em primeiro lugar, vale frisar que muitos elencos são formados por atores que não possuem a mesma nacionalidade que seus personagens. Sendo assim, apesar das escorregadas no espanhol, que para mim que sou leigo, foram imperceptíveis, o desempenho de Wagner Moura foi brilhante como sempre. Sua entrega ao papel e aos maneirismos e trejeitos de Escobar são louváveis. O personagem é ao mesmo tempo sensível e truculento, e as cenas dramáticas, apesar de poucas e bem espalhadas pelos episódios, possuem uma intensidade incrível. Tenho minhas dúvidas quanto a possibilidade, porém Wagner Moura deveria ser nomeado ao Globo de Ouro e ao Emmy por sua performance, não devendo em nada para os grandes atores da televisão atual, como Kevin Spacey de House of Cards e Jon Hamm de Mad Men, e o já “aposentado” Bryan Cranston (Walter White).

As únicas coisas que me incomodaram no decorrer da série foram, primeiramente, o fato de que alguns períodos nos quais a série poderia ter perdido mais algum tempo foram rapidamente abandonados, e outros foram desnecessariamente alongados. Além disso, com exceção do excelente Pedro Pascal e alguns outros, as atuações do elenco coadjuvante foram relativamente fracas e estereotipadas, como os irmãos Ochoa. A narração do agente Murphy também é bastante monótona, mas cumpre sua função. Outros pontos fracos que notei na série não serão abordados, uma vez que podem facilmente ser resolvidos na já confirmada segunda temporada, que vai ao ar no ano que vem.

O mundo da televisão foi invadida por criminosos (começando com Família Soprano, e aumentando de frequência com Dexter, Homeland e House of Cards) e anti-heróis (Mad Men e House) nos últimos anos, além da onda de serial killers clássicos (Hannibal e Bates Motel), sendo que essa nova tendência chegou a seu ápice na magnífica Breaking Bad. Narcos pode dar início a uma nova fase com adaptações fiéis da vida de criminosos reais.

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